sexta-feira, 23 de janeiro de 2009






"PARA ONDE VAI A CANÇÃO DEPOIS DO ACORDE FINAL..."


VANDER LEE

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Clarice Linspector


“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.”

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Contraste


Serlito de Castro

Brasil, 5 de outubro de 1988. Por que tanto contraste na vida de Guiomar, de Lucinha, de Zé eA constituição brasileira, no seu artigo 5º dos direitos sociais diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à IGUALDADE, à segurança e à propriedade nos termos seguintes: Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição. O artigo 6º - capítulo II, dos Direitos Sociais, diz o seguinte: São Direitos Sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social a proteção à MATERNIDADE e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição. Ninguém será submetido à tortura nem a TRATAMENTO DESUMANO ou DEGRADANTE.

Constituição da República Federativa do de Carlinhos... Será que teremos que acreditar no dito popular: "são os desígnios de Deus" para certas pessoas!


Estava bastante movimentado e cercado de cuidados, o momento na residência da Senhora Vera Lúcia de Albuquerque, conhecida entre os parentes e amigos como Dona Lucinha. A euforia era pela chegada do primogênito, que iria preencher os anseios do casal. O pai estava radiante, feliz e vaidoso.

Finalmente teria um filho homem, substituto no futuro para dar continuidade aos seus negócios. Dona Lucinha estava muito feliz e agradecida a Deus em dar um filho homem ao marido, e prometera a si mesma, criá-lo, educá-lo e orientá-lo nos melhores colégios com carinho, cuidados e com muito amor. A criança mesmo antes de nascer já tinha o nome escolhido, se chamaria, Carlos Augusto de Albuquerque Lins. As dores do parto já se iniciavam e Dona Lucinha aguardava com ansiedade a chegada da ambulância para transportá-la ao hospital, onde tudo já havia sido providenciado para recebê-la.

Não muito longe dali, em uma pequena comunidade, passava pela mesma circunstância em um pequeno barraco de madeira, a jovem Guiomar Pereira da Silva, 17 anos, cor parda, analfabeta e órfã de pai e mãe. Não havia pai para se orgulhar do nascimento da criança nem Guiomar sabia o sexo. Quando estava no 6º mês de gravidez, o médico do hospital público onde ela fez só uma vez um pré-natal, marcou um ultra-som para 6 meses, alegando não haver vaga. Conforme declaração da própria Guiomar, não havia diferença ser menino ou menina. Era mãe solteira e iria dar a criança de qualquer jeito. Não teria condições de criá-la, não tinha certeza do verdadeiro pai para pedir pensão e além do mais, aquela criança iria atrapalhar sua vida de pagode.

Como as dores estavam aumentando, Guiomar resolveu enfrentar um ônibus e tentar uma maternidade pública. Acompanhou Guiomar uma vizinha que já tinha uma idéia preconcebida, se não der tempo de chegar a um hospital, chamaria o Corpo de Bombeiros que nessas horas resolve o problema, sendo o único meio que funciona com segurança para ricos e pobres.

Ao chegar ao hospital já estavam a espera de Dona Lucinha, uma equipe formada por médico, enfermeira e um maqueiro com uma cadeira de rodas a fim de não proporcionar desgaste físico à paciente. Imediatamente a chegada ao hospital, a gestante foi introduzida para exames gerais e ficou repousando em apartamento de luxo, a espera da feliz hora do parto. Estava o médico estudando as possibilidades de ser parto normal ou cesariana, enquanto uma psicóloga trabalhava junto a futura mamãe.

Pobre Guiomar! Depois de perambular por vários hospitais, conseguiu uma vaga na maternidade de Afogados, na periferia da cidade. Como não havia médico na hora, ficou aguardando para ser atendida em uma enfermaria, que foi criada para 4 pacientes e no momento estava com 12 gestantes esperando um médico e a hora para parir.

Que alegria! Nasceu Carlinhos, garoto sadio, robusto, corado e chorão. Quanta felicidade! Cercado pelos pais, avós e alguns amigos que davam as boas vindas a um garoto que trazia tanta alegria e felicidade. Era um dia especial e merecia uma comemoração.

O parto de Guiomar foi complicado, por ser uma paciente sem condições físicas, mal alimentada e mal assistida, estava com dificuldades para facilitar o parto. Graças a Deus e a competência do médico, nasceu um rebento anêmico e desnutrido. Com a competência, responsabilidade e compaixão do médico, Guiomar e a criança ficaram em observação, ela na enfermaria coletiva e ele na incubadora a fim de se recuperarem e poderem receber alta.

Ah! Quanta alegria! Na chegada de Lucinha em casa. Faixas, bebidas e muita comida para os convidados. Os avós, como todo avô coruja, já tinham preparado o quarto do neto todo em cor azul e já estavam fazendo planos para o primeiro aniversário do Carlinhos. Como o quarto da criança era no 1º andar da casa e não perturbaria o sono do bebê, a festa continuou até a noite com Champanhe e tudo que Dona Lucinha tinha direito, afinal, naquele lar, uma mulher acabava de ter o direito sublime e sagrado de ser mãe.

Após três dias em observação, Guiomar e a criança receberam alta. Como boa companheira de infortúnio, a vizinha que levou Guiomar a procura de maternidade, acompanhou a amiga de volta à sua casa, se podemos chamar de casa aquele miserável barraco de um só cômodo. Após chegar em seu barraco, é que Guiomar se deu conta que, criança come, veste e dorme. Aí, entra a crendice popular: "Deus dá a roupa conforme o frio". Rasgou um lençol velho, com uma metade enrolou o rebento e com a outra improvisou umas fraldas. Mesmo com toda essa miséria, Guiomar tinha muito leite, que solucionou o problema de alimentação do recém-nascido.

Com um pouco de cuidado, José Pereira da Silva, que agora ganhou o apelido de Zé, ficou acomodado na cama de sua própria mãe, que para falar a verdade era o segundo móvel do barraco o outro era uma velha cômoda que servia de mesa e armário para roupas e alimentos.

Com o passar do tempo, vamos encontrar o Carlinhos passeando com sua babá, no calçadão de Boa Viagem, já com 2 anos de idade, bem cuidado, com todas as vacinas necessárias e sendo o centro das atenções por onde passa, é uma criança bonita, que herdou a beleza da Dona Lucinha e os bons cuidados que o dinheiro proporciona. Não muito longe do calçadão da Av Boa Viagem, na comunidade onde Guiomar mora, uma criança também de 2 anos, brinca com uma garrafa plástica de guaraná no terreiro de sua casa, o Zé está brincando por estar de folga, como já está andando, ajuda sua mãe na coleta de latinhas de refrigerantes e a pedir esmolas pelas ruas.E justamente desses trabalhos que Guiomar está vivendo. O Zé tem algumas roupas e sandália, que o líder da comunidade conseguiu com algumas senhoras bondosas que com receio de irem para o inferno, fazem doações de coisas usadas nestas comunidades. É bem verdade que ajuda embora não resolva o problema.

Quando Carlinhos completou 12 anos e terminou o curso do ensino fundamental os pais, como presente, programaram uma viagem à Disneylândia com duração de 30 dias. A intenção dos pais de Carlinhos era proporcionar divertimento ao filho e ganhar tempo para uma reforma em seu quarto, que agora iria entrar na fase da adolescência. Estava tudo programado, computador, som, televisão e vídeo para o garoto assistir seus filmes preferidos e já estava na hora do Carlinhos ter privacidade e receber seus amigos.

Como a escola da vida ensina muito rápido, o pequeno Zé, esquecido por sua mãe que nada oferecia e nem sabia como criar um filho, já sabia algumas coisas da vida e como sobreviver nas ruas e na comunidade onde morava.

O pequeno Zé continuava sem freqüentar a escola, vivia pelas ruas e já conhecia a cola de sapateiro, já praticava pequenos furtos e já dividia seu pequeno canto no barraco com um irmãozinho, fruto do namoro de sua mãe com um estranho numa noite de pagode. A mãe do Zé evoluiu também na vida, deixou de catar latinhas para se prostituir e virou alcoólatra com várias passagens na polícia, por agressão e ofensa ao pudor.

Tudo era festa, tudo era alegria, cercado dos pais, parentes e amigos, estava Carlinhos alegre, jubiloso e feliz. No momento, comemorava seus 16 anos e festejava também sua classificação no vestibular de Direito. A alegria era contagiante. Todos comiam, bebiam e comemoravam a vitória do rapaz. Seus pais sentiam-se orgulhosos pela dedicação do rapaz. Seu pai como recompensa pela dedicação do filho pelos estudos, aproveitou a oportunidade e presenteou-o com um carro zero quilômetro, na condição de só sair às ruas quando estivesse com a carteira de habilitação. Esse carro era para Carlinhos não depender de ônibus e não perder o horário da faculdade e é claro, dar suas voltinhas com a namorada.

Certa noite quando vinha de uma festa com a namorada e parou no sinal de trânsito em uma rua pouco movimentada, foi abordado por dois rapazes armados que lhe levaram a carteira, o relógio e o celular. Esses dois rapazes eram Zé de Guiomar e seu parceiro de crime. Zé sem ter o que fazer, sem conseguir e sem gostar de trabalhos achou o caminho mais fácil para poder sobreviver, já era conhecido da polícia, como era menor e não tinha assassinado ninguém, a polícia fazia vista grossa, não queria se envolver com pessoa menor de idade e não ter problema com o Código do Adolescente, que não resolve os problemas que os levam às ruas e aos crimes.

No presídio feminino uma mulher reclama para suas colegas de infortúnio, não ter sorte na vida, quando conseguiu um homem para morar junto, o sujeito era traficante de drogas. Numa batida da polícia Guiomar foi flagrada guardando em sua companhia, 1 quilograma de maconha pronta para o consumo. Como era primária no crime, pegou 6 anos de cadeia deixando nas ruas seus filhos, que agora somam três crianças menores.

Hoje é um dia especial para Carlinhos. Dr. Carlos Augusto Albuquerque Lins, fará parte do júri popular como promotor. É o seu primeiro caso deste novo advogado. O crime a ser julgado, homicídio, um jovem aparentando 24 anos, assassinou um homem em assalto. O criminoso alega que foi obrigado a atirar, porque o homem assaltado demorou muito a entregar seus pertences e conversava demais fazendo o criminoso perder tempo no seu trabalho. Na confissão o criminoso assinou com a impressão digital, confirmando ser José Pereira da Silva, que na roda do crime e na sua comunidade, é conhecido por Zé de Guiomar.