quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FIM DE ANO

Um ano bem que podia ter trinta dias e acabar todo mês. De certo que a euforia festiva do rito de passagem tenderia a diminuir em celebrações tão vizinhas. Ou não, haja vista o comportamento fúnebre ao final de cada período momesco percebido em brasileiros adeptos a comemorações.
Anos finitos em ciclos mensais, além das vantagens comerciais com o aquecimento da economia na compra, venda e na prestação de serviços diversos, proporcionaria o exercício socialista da coletividade, onde os gestos são mais plurais, as mãos se mostram estendidas, as compreensões elásticas. A cada fim de ano renovam-se os votos de felicidade, e, imbuídos desse propósito, os homens se toleram com paciência e resignação. Distribuem solidariedade divulgando boas ações.
Afora os gestos de palanque, fim de ano sugere mesmo harmonia, reflexão, diálogo sincero consigo mesmo, epifania. Talvez por providência divina, seja o período mais apropriado para um balanço pessoal, para encontros que ficaram em suspensão, perdidos em alguns dos trezentos e poucos dias de um ano que – pena, não é mensal! Período de perdão, conserto, distribuição, abraços, período para pazear.
Se um ano tivesse, de fato, trinta dias, talvez vivêssemos a utopia da paz universal, cercados, mês a mês de boas intenções, familiarizados com a presença constante do bem. Talvez até encontrássemos uma razão para desentendimentos (como bons humanos que somos!), mas, surgiria sempre alguém trombeteando: calma! É fim de ano!
Um ano bem que podia ter trinta dias e acabar todo mês; entretanto, os sentimentos auréolos percebidos com mais intensidade nos dias finais de todo dezembro, podem e devem ser vivenciados ao longo dos 365 dias que, neste momento, nos espreita. Podem e devem ser sentidos, refletidos e comungados em mais uma volta do calendário.
Feliz 2010 a todos! Um ano para ser vivido em Paz, na extensão abençoada de todos os seus dias.

Glauco Cazé

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal















Será que vou rezar?

É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que farei uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas

SOU UM ADMIRADOR de Gandhi. Cheguei mesmo a escrever um livro sobre ele. Estou planejando convocar os amigos para uma homenagem póstuma a esse grande líder pacifista e vegetariano. Pensei que uma boa maneira de homenageá-lo seria um evento numa churrascaria, todo mundo gosta de churrasco, um delicado rodízio com carnes variadas, picanhas, filés, costelas, cupins, fraldinhas, lingüiças, salsichas, paios, galetos e muito chope. O grande líder merece ser lembrado e festejado com muita comilança e barriga cheia!
Eu não fiquei doido. O que fiz foi usar de um artifício lógico chamado "reductio ad absurdum" que consiste no seguinte: para provar a verdade de uma proposição, eu mostro os absurdos que se seguiriam se o seu contrário, e não ela, fosse verdadeiro. Eu demonstrei o absurdo de se celebrar um líder vegetariano de hábitos frugais com um churrasco.
Uma homenagem tem de estar em harmonia com a pessoa homenageada para torná-la presente entre aqueles que a celebram. Uma refeição, sim. Mas pouca comida. Comer pouco é uma forma de demonstrar nosso respeito pela natureza. Alface, cenoura, azeitonas, pães e água.
A celebração há de trazer de novo à memória o evento celebrado.É uma cena: numa estrebaria uma criancinha acaba de nascer. Sua mãe a colocou numa manjedoura, cocho onde se põe comida para os animais. As vacas mastigam sem parar, ruminando. Ouve-se um galo que canta e os violinos dos grilos, música suave... No meio dos animais tudo é tranqüilo. Os campos estão cobertos de vaga-lumes que piscam chamados de amor. E no céu brilha uma estrela diferente. Que estará ela anunciando com suas cores? O nascimento de um Deus?
É. O nascimento de um Deus. Deus é uma criança.
O nascimento do Deus criança só pode ser celebrado com coisas mansas. Mansas e pobres. Os pobres, no seu despojamento, devem poder celebrar. Não é preciso muito.
Um poema que se lê. Alberto Caeiro escreveu um poema que faria José e Maria, os pais do menininho, rir de felicidade: "Num meio-dia de fim de primavera, tive um sonho como uma fotografia: "Vi Jesus Cristo descer a terra. Veio pela encosta do monte tornado outra vez menino. Tinha fugido do céu...'" Longo, merece ser lido inteiro, bem devagar...
Uma canção que se canta. Das antigas. Tem de ser das antigas. Para convocar a saudade. É a saudade que traz para dentro da sala a cena que aconteceu longe. Sem saudade o milagre não acontece.
Algo para se comer. O que é que José e Maria teriam comido naquela noite? Um pedaço de queijo, nozes, vinho, pão velho, uma caneca de leite tirado na hora. E deram graças a Deus.
E é preciso que se fale em voz baixa. Para não acordar a criança.
Naquela mesma noite, havia uma outra celebração no palácio de Herodes, o cruel. Ele tinha medo das crianças e mataria todas se assim o desejasse. A mesa do banquete estava posta: leitões assados, lingüiças, bolos e muito vinho... Os músicos tocavam, as dançarinas rodopiavam. Grande era a orgia.
É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que vou fazer uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas. E lerei poemas e ouvirei música. E farei silêncio quando chegar a meia-noite e, quem sabe, rezarei?

Eu não comemora natal, não me importo com a passagem de ano, não mais. Isso acontecia no passado. Escrevi esse texto para que as pessoas que dizem comemorar o natal, reflitam. Será que é mesmo o natal que é comemorado? Ou está mais para uma renião entre familiares e amigos que irão se empanturrar e trocar presentes? Acho o natal uma data hipócrita, pelo menos para a maioria, mas ninguém admite. Ou será que devamos reinventar o natal? Sua essência é bela porém o que fizemos dela?



Rubem Alves

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

COMO SERIA ?



Como seria se os portugueses tivessem sido postos para correr — ou para nadar, no caso — naquele 22 de abril, e nunca mais se animassem a chegar perto destas praias, nem eles nem quaisquer outros brancos? Como seria o Brasil, hoje, habitado exclusivamente por índios? Imagine uma reunião dos presidentes do Mercosul, todo mundo posando para a fotografia de terno e gravata e o brasileiro nu. Haveria vantagens e desvantagens em viver numa eterna Pindorama. Para começar pelo mais grave, pelo menos para mim: eu não existiria. Aposto que você também não. Devo ter sangue índio, se a cara da minha avó paterna não estava mentindo, mas o resto é um coquetel do que veio depois: português, negro, alemão, italiano. Em compensação, também não existiria o Eurico Miranda.

Como seria se os holandeses tivessem derrotado os portugueses e colonizado todo o Brasil? Para começar, nossos padrões de beleza seriam completamente outros. Em vez de morenas, nossas mulheres seriam loiras de cabelo escorrido, e a brasileira mais conhecida no mundo seria alguma longilínea do tipo nórdico, chamada Gisele ou coisa parecida. Nem dá para imaginar.

Como seria se os franceses tivessem conseguido consolidar a sua civilização subequatorial por aqui? Sei não, talvez a comida não melhorasse tanto assim — também se come mal na França, e vá encontrar uma boa feijoada com couve e torresmo —, mas quem nos assegura que hoje não teríamos uma Carla Bruni como primeira-dama, congressistas que ficassem sentados em seus lugares em vez de se aglomerarem na frente da mesa, um serviço público muito melhor e pelo menos mais quatro feriados nacionais (Dia da Bastilha, Dia do Armistício de 18, Dia do Armistício de 45, Dia do Queijo Fedorento etc.) por ano? Talvez fôssemos corruptos do mesmo jeito, já que deve ser alguma coisa na água. Mas as conversas grampeadas seriam em francês! Quer dizer, uma coisa de outro nível.

Meus dois pedidos

Agora posso contar. Fui eu que consegui a vitória do Internacional no Campeonato Mundial Interclubes, no Japão, em 2006.

Foi assim. Recebi uma oferta do Diabo pela minha alma. Veio por e-mail, de sorte que nem vi a sua cara. Ele procurava na internet pessoas dispostas a trocar sua alma pelo que quisessem. Respostas para 666belzebu.com. A pessoa empenhava sua alma ao Diabo, para entregar na saída, e em troca poderia pedir duas coisas. Mas só duas coisas.

Perguntei como eu poderia ter certeza que ele cumpriria a sua parte no trato. Depois da minha alma empenhada, contrato assinado com sangue etc., ele poderia simplesmente não atender aos meus pedidos. Ele propôs que fizéssemos um teste. Que eu pedisse alguma coisa impossível. Que o meu pedido fosse um delírio, algo totalmente fora da realidade. Se ele cumprisse o prometido, eu saberia que sua oferta era para valer. E só então lhe entregaria a minha alma. Concordei.

Qual seria o meu primeiro pedido? Pensei imediatamente no Internacional. Está certo, antes pensei na Luana Piovani, mas aí achei que poderia dar confusão. Em seguida pensei no Internacional. Um Campeonato do Mundo para o Internacional! Decisão contra o Barcelona. Sua resposta veio num e-mail conciso:

“Feito.”

E foi o que se viu. Vitória sobre o Barcelona contra todas as probabilidades. Inter campeão do mundo. O trato com o Diabo era, por assim dizer, quente. E eu podia fazer meu segundo pedido. Um bicampeonato do mundo para o Inter? Concluí que estava sendo egoísta demais. Estava pensando só na alegria dos colorados — e passageira, pois não poderia pedir vitórias do Internacional em todos os campeonatos, para sempre — e esquecendo o meu país. Deveria pedir, pela minha alma, algo que desse alegria a todos, inclusive gremistas. O quê? Quero que o Brasil se transforme num país escandinavo. Agora! Um país organizado, sem crime, sem fome, sem injustiça, sem conflitos, magnificamente chato. Era isso: minha alma por um país aborrecido!

Foi o que botei no meu e-mail para o Diabo. Ele respondeu perguntando se eu tinha pensado bem no que estava pedindo. Eu deveria saber que a adaptação seria difícil. A conversão da moeda, a língua, o frio, os hábitos diferentes… E que seria impossível preservar tudo o que nos faz simpáticos, e criativos, e divertidos — enfim, brasileiros no bom sentido — sem a bagunça e o mau caráter. Ou ser escandinavo só durante o expediente e brasileiro depois das seis. Era mesmo o que eu queria?

“É”, respondi. “Chega desta irresponsabilidade tropical, desta indecência social disfarçada de bonomia, desta irresolução criminosa que passa por afabilidade, deste eterno adiamento de tudo. Faça-nos escandinavos, já!” O Diabo: “Tem certeza? Já?”

Eu: “Bom… Depois do carnaval.”





Trecho do Livro: O Mundo é Bárbaro | Luis Fernando Verissimo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

" A História tinge o presente com tons do passado"


Izabella Cabral - Grande futura historiadora e parceira de uma boa discussão biopsicosocial-econômica-filosófica-metafísica e muito mais.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Frase do dia

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luis Fernando Veríssimo