quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FIM DE ANO

Um ano bem que podia ter trinta dias e acabar todo mês. De certo que a euforia festiva do rito de passagem tenderia a diminuir em celebrações tão vizinhas. Ou não, haja vista o comportamento fúnebre ao final de cada período momesco percebido em brasileiros adeptos a comemorações.
Anos finitos em ciclos mensais, além das vantagens comerciais com o aquecimento da economia na compra, venda e na prestação de serviços diversos, proporcionaria o exercício socialista da coletividade, onde os gestos são mais plurais, as mãos se mostram estendidas, as compreensões elásticas. A cada fim de ano renovam-se os votos de felicidade, e, imbuídos desse propósito, os homens se toleram com paciência e resignação. Distribuem solidariedade divulgando boas ações.
Afora os gestos de palanque, fim de ano sugere mesmo harmonia, reflexão, diálogo sincero consigo mesmo, epifania. Talvez por providência divina, seja o período mais apropriado para um balanço pessoal, para encontros que ficaram em suspensão, perdidos em alguns dos trezentos e poucos dias de um ano que – pena, não é mensal! Período de perdão, conserto, distribuição, abraços, período para pazear.
Se um ano tivesse, de fato, trinta dias, talvez vivêssemos a utopia da paz universal, cercados, mês a mês de boas intenções, familiarizados com a presença constante do bem. Talvez até encontrássemos uma razão para desentendimentos (como bons humanos que somos!), mas, surgiria sempre alguém trombeteando: calma! É fim de ano!
Um ano bem que podia ter trinta dias e acabar todo mês; entretanto, os sentimentos auréolos percebidos com mais intensidade nos dias finais de todo dezembro, podem e devem ser vivenciados ao longo dos 365 dias que, neste momento, nos espreita. Podem e devem ser sentidos, refletidos e comungados em mais uma volta do calendário.
Feliz 2010 a todos! Um ano para ser vivido em Paz, na extensão abençoada de todos os seus dias.

Glauco Cazé

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal















Será que vou rezar?

É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que farei uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas

SOU UM ADMIRADOR de Gandhi. Cheguei mesmo a escrever um livro sobre ele. Estou planejando convocar os amigos para uma homenagem póstuma a esse grande líder pacifista e vegetariano. Pensei que uma boa maneira de homenageá-lo seria um evento numa churrascaria, todo mundo gosta de churrasco, um delicado rodízio com carnes variadas, picanhas, filés, costelas, cupins, fraldinhas, lingüiças, salsichas, paios, galetos e muito chope. O grande líder merece ser lembrado e festejado com muita comilança e barriga cheia!
Eu não fiquei doido. O que fiz foi usar de um artifício lógico chamado "reductio ad absurdum" que consiste no seguinte: para provar a verdade de uma proposição, eu mostro os absurdos que se seguiriam se o seu contrário, e não ela, fosse verdadeiro. Eu demonstrei o absurdo de se celebrar um líder vegetariano de hábitos frugais com um churrasco.
Uma homenagem tem de estar em harmonia com a pessoa homenageada para torná-la presente entre aqueles que a celebram. Uma refeição, sim. Mas pouca comida. Comer pouco é uma forma de demonstrar nosso respeito pela natureza. Alface, cenoura, azeitonas, pães e água.
A celebração há de trazer de novo à memória o evento celebrado.É uma cena: numa estrebaria uma criancinha acaba de nascer. Sua mãe a colocou numa manjedoura, cocho onde se põe comida para os animais. As vacas mastigam sem parar, ruminando. Ouve-se um galo que canta e os violinos dos grilos, música suave... No meio dos animais tudo é tranqüilo. Os campos estão cobertos de vaga-lumes que piscam chamados de amor. E no céu brilha uma estrela diferente. Que estará ela anunciando com suas cores? O nascimento de um Deus?
É. O nascimento de um Deus. Deus é uma criança.
O nascimento do Deus criança só pode ser celebrado com coisas mansas. Mansas e pobres. Os pobres, no seu despojamento, devem poder celebrar. Não é preciso muito.
Um poema que se lê. Alberto Caeiro escreveu um poema que faria José e Maria, os pais do menininho, rir de felicidade: "Num meio-dia de fim de primavera, tive um sonho como uma fotografia: "Vi Jesus Cristo descer a terra. Veio pela encosta do monte tornado outra vez menino. Tinha fugido do céu...'" Longo, merece ser lido inteiro, bem devagar...
Uma canção que se canta. Das antigas. Tem de ser das antigas. Para convocar a saudade. É a saudade que traz para dentro da sala a cena que aconteceu longe. Sem saudade o milagre não acontece.
Algo para se comer. O que é que José e Maria teriam comido naquela noite? Um pedaço de queijo, nozes, vinho, pão velho, uma caneca de leite tirado na hora. E deram graças a Deus.
E é preciso que se fale em voz baixa. Para não acordar a criança.
Naquela mesma noite, havia uma outra celebração no palácio de Herodes, o cruel. Ele tinha medo das crianças e mataria todas se assim o desejasse. A mesa do banquete estava posta: leitões assados, lingüiças, bolos e muito vinho... Os músicos tocavam, as dançarinas rodopiavam. Grande era a orgia.
É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que vou fazer uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas. E lerei poemas e ouvirei música. E farei silêncio quando chegar a meia-noite e, quem sabe, rezarei?

Eu não comemora natal, não me importo com a passagem de ano, não mais. Isso acontecia no passado. Escrevi esse texto para que as pessoas que dizem comemorar o natal, reflitam. Será que é mesmo o natal que é comemorado? Ou está mais para uma renião entre familiares e amigos que irão se empanturrar e trocar presentes? Acho o natal uma data hipócrita, pelo menos para a maioria, mas ninguém admite. Ou será que devamos reinventar o natal? Sua essência é bela porém o que fizemos dela?



Rubem Alves

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

COMO SERIA ?



Como seria se os portugueses tivessem sido postos para correr — ou para nadar, no caso — naquele 22 de abril, e nunca mais se animassem a chegar perto destas praias, nem eles nem quaisquer outros brancos? Como seria o Brasil, hoje, habitado exclusivamente por índios? Imagine uma reunião dos presidentes do Mercosul, todo mundo posando para a fotografia de terno e gravata e o brasileiro nu. Haveria vantagens e desvantagens em viver numa eterna Pindorama. Para começar pelo mais grave, pelo menos para mim: eu não existiria. Aposto que você também não. Devo ter sangue índio, se a cara da minha avó paterna não estava mentindo, mas o resto é um coquetel do que veio depois: português, negro, alemão, italiano. Em compensação, também não existiria o Eurico Miranda.

Como seria se os holandeses tivessem derrotado os portugueses e colonizado todo o Brasil? Para começar, nossos padrões de beleza seriam completamente outros. Em vez de morenas, nossas mulheres seriam loiras de cabelo escorrido, e a brasileira mais conhecida no mundo seria alguma longilínea do tipo nórdico, chamada Gisele ou coisa parecida. Nem dá para imaginar.

Como seria se os franceses tivessem conseguido consolidar a sua civilização subequatorial por aqui? Sei não, talvez a comida não melhorasse tanto assim — também se come mal na França, e vá encontrar uma boa feijoada com couve e torresmo —, mas quem nos assegura que hoje não teríamos uma Carla Bruni como primeira-dama, congressistas que ficassem sentados em seus lugares em vez de se aglomerarem na frente da mesa, um serviço público muito melhor e pelo menos mais quatro feriados nacionais (Dia da Bastilha, Dia do Armistício de 18, Dia do Armistício de 45, Dia do Queijo Fedorento etc.) por ano? Talvez fôssemos corruptos do mesmo jeito, já que deve ser alguma coisa na água. Mas as conversas grampeadas seriam em francês! Quer dizer, uma coisa de outro nível.

Meus dois pedidos

Agora posso contar. Fui eu que consegui a vitória do Internacional no Campeonato Mundial Interclubes, no Japão, em 2006.

Foi assim. Recebi uma oferta do Diabo pela minha alma. Veio por e-mail, de sorte que nem vi a sua cara. Ele procurava na internet pessoas dispostas a trocar sua alma pelo que quisessem. Respostas para 666belzebu.com. A pessoa empenhava sua alma ao Diabo, para entregar na saída, e em troca poderia pedir duas coisas. Mas só duas coisas.

Perguntei como eu poderia ter certeza que ele cumpriria a sua parte no trato. Depois da minha alma empenhada, contrato assinado com sangue etc., ele poderia simplesmente não atender aos meus pedidos. Ele propôs que fizéssemos um teste. Que eu pedisse alguma coisa impossível. Que o meu pedido fosse um delírio, algo totalmente fora da realidade. Se ele cumprisse o prometido, eu saberia que sua oferta era para valer. E só então lhe entregaria a minha alma. Concordei.

Qual seria o meu primeiro pedido? Pensei imediatamente no Internacional. Está certo, antes pensei na Luana Piovani, mas aí achei que poderia dar confusão. Em seguida pensei no Internacional. Um Campeonato do Mundo para o Internacional! Decisão contra o Barcelona. Sua resposta veio num e-mail conciso:

“Feito.”

E foi o que se viu. Vitória sobre o Barcelona contra todas as probabilidades. Inter campeão do mundo. O trato com o Diabo era, por assim dizer, quente. E eu podia fazer meu segundo pedido. Um bicampeonato do mundo para o Inter? Concluí que estava sendo egoísta demais. Estava pensando só na alegria dos colorados — e passageira, pois não poderia pedir vitórias do Internacional em todos os campeonatos, para sempre — e esquecendo o meu país. Deveria pedir, pela minha alma, algo que desse alegria a todos, inclusive gremistas. O quê? Quero que o Brasil se transforme num país escandinavo. Agora! Um país organizado, sem crime, sem fome, sem injustiça, sem conflitos, magnificamente chato. Era isso: minha alma por um país aborrecido!

Foi o que botei no meu e-mail para o Diabo. Ele respondeu perguntando se eu tinha pensado bem no que estava pedindo. Eu deveria saber que a adaptação seria difícil. A conversão da moeda, a língua, o frio, os hábitos diferentes… E que seria impossível preservar tudo o que nos faz simpáticos, e criativos, e divertidos — enfim, brasileiros no bom sentido — sem a bagunça e o mau caráter. Ou ser escandinavo só durante o expediente e brasileiro depois das seis. Era mesmo o que eu queria?

“É”, respondi. “Chega desta irresponsabilidade tropical, desta indecência social disfarçada de bonomia, desta irresolução criminosa que passa por afabilidade, deste eterno adiamento de tudo. Faça-nos escandinavos, já!” O Diabo: “Tem certeza? Já?”

Eu: “Bom… Depois do carnaval.”





Trecho do Livro: O Mundo é Bárbaro | Luis Fernando Verissimo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

" A História tinge o presente com tons do passado"


Izabella Cabral - Grande futura historiadora e parceira de uma boa discussão biopsicosocial-econômica-filosófica-metafísica e muito mais.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Frase do dia

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luis Fernando Veríssimo

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A maior aventura de um ser humano é viajar,
E a maior viagem que alguém pode empreender
É para dentro de si mesmo.
E o modo mais emocionante de realizá-la é ler um livro,
Pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros,
Mas é pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas
E descobrir o que as palavras não disseram...

Augusto Cury

sábado, 3 de outubro de 2009

" O PENSAMENTO SÓ ENTRA EM AÇÃO QUANDO ELE É PROVOCADO PELO DESEJO"


RUBEM ALVES

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Jardim









RUBEM ALVES




Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos "conhecimento de palavras e ignorância da Palavra". A poesia é uma busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo. Eu acho que Deus, ao criar o universo, pensava numa única palavra: Jardim! Jardim é a imagem de beleza, harmonia, amor, felicidade. Se me fosse dado dizer uma última palavra, uma única palavra, Jardim seria a palavra que eu diria."(Clique aqui para você ler um texto sobre jardins)
Depois de uma longa espera consegui, finalmente, plantar o meu jardim. Tive de esperar muito tempo porque jardins precisam de terra para existir. Mas a terra eu não tinha. De meu, eu só tinha o sonho. Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes de existirem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou realidade, revelação de nossa verdade interior escondida, a alma nua se oferecendo ao deleite dos outros, sem vergonha alguma... Mas os sonhos, sendo coisas belas, são coisas fracas. Sozinhos, eles nada podem fazer: pássaros sem asas... São como as canções, que nada são até que alguém as cante; como as sementes, dentro dos pacotinhos, à espera de alguém que as liberte e as plante na terra. Os sonhos viviam dentro de mim. Eram posse minha. Mas a terra não me pertencia.



O terreno ficava ao lado da minha casa, apertada, sem espaço, entre muros. Era baldio, cheio de lixo, mato, espinhos, garrafas quebradas, latas enferrujadas, lugar onde moravam assustadoras ratazanas que, vez por outra, nos visitavam. Quando o sonho apertava eu encostava a escada no muro e ficava espiando.
Eu não acreditava que meu sonho pudesse ser realizado. E até andei procurando uma outra casa para onde me mudar, pois constava que outros tinham planos diferentes para aquele terreno onde viviam os meus sonhos. E se o sonho dos outros se realizasse, eu ficaria como pássaro engaiolado, espremido entre dois muros, condenado à infelicidade.

Mas um dia o inesperado aconteceu. O terreno ficou meu. O meu sonho fez amor com a terra e o jardim nasceu.

Não chamei paisagista. Paisagistas são especialistas em jardins bonitos. Mas não era isto que eu queria. Queria um jardim que falasse. Pois você não sabe que os jardins falam? Quem diz isto é o Guimarães Rosa: "São muitos e milhões de jardins, e todos os jardins se falam. Os pássaros dos ventos do céu - constantes trazem recados. Você ainda não sabe. Sempre à beira do mais belo. Este é o Jardim da Evanira. Pode haver, no mesmo agora, outro, um grande jardim com meninas. Onde uma Meninazinha, banguelinha, brinca de se fazer Fada... Um dia você terá saudades... Vocês, então, saberão..." É preciso ter saudades para saber. Somente quem tem saudades entende os recados dos jardins. Não chamei um paisagista porque, por competente que fosse, ele não podia ouvir os recados que eu ouvia. As saudades dele não eram as saudades minhas. Até que ele poderia fazer um jardim mais bonito que o meu. Paisagistas são especialistas em estética: tomam as cores e as formas e constróem cenários com as plantas no espaço exterior. A natureza revela então a sua exuberância num desperdício que transborda em variações que não se esgotam nunca, em perfumes que penetram o corpo por canais invisíveis, em ruídos de fontes ou folhas... O jardim é um agrado no corpo. Nele a natureza se revela amante... E como é bom!

Mas não era bem isto que eu queria. Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora; era a poética dos espaços de dentro. Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas. Em busca do tempo perdido... Uma pessoa, comentando este meu jeito de ser, escreveu: "Coitado do Rubem! Ficou melancólico. Dele não mais se pode esperar coisa alguma..." Não entendeu. Pois melancolia é justamente o oposto: ficar chorando as alegrias perdidas, num luto permanente, sem a esperança de que elas possam ser de novo criadas. Aceitar como palavra final o veredicto da realidade, do terreno baldio, do deserto. Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade. Entendem agora por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim ele teria que ser capaz de sonhar os meus sonhos...

Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso que espera... Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas... Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se perdeu. Pois, como o disse o místico medieval Angelus Silésius:


Se, no teu centro
um Paraíso não puderes encontrar,
não existe chance alguma de, algum dia,
nele entrar.

Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino:

"No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta."

Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009















Esta pressa toda de Lula para aprovar o Pré-Sal serve a todos os propósitos possíveis e imagináveis, mas não serve à NAÇÃO BRASILEIRA.
Com esta atitude, Lula coloca mais um tijolinho na DESCONSTRUÇÃO de sua atuação como Presidente.

Do Blog de Fernando Stickel - http://www.stickel.com.br/atc/


Obrigado.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009
















sempre restará um pouco de criação poética
em alguma prateleira do cosmos
o sopro do barro
a vida a partir de uma costela

virá a força necessária para a conservação/mudança

bom mesmo é a sensação de se reinaugurar/afirmar
que as pessoas nos transmitem até com sua ausência.

hoje, ontem e sempre!


Moisés Neto, grande mestre da literatura e da vida.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

"STATUS É COMPRAR ALGO QUE VOCÊ NÃO PRECISA, GASTANDO O DINHEIRO QUE VOCÊ NÃO TEM PARA MOSTRAR PRA UMA PESSOA QUE VOCÊ NÃO GOSTA AQUILO QUE VOCÊ NÃO É"

DESCONHECIDO

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Alberto Caeiro



DA MINHA ALDEIA vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.




Alberto Caeiro, em "O Guardador
de Rebanhos".

sexta-feira, 10 de julho de 2009

GRAVITY





















Gravity is working against me
And gravity wants to bring me down
Oh, I'll never know what makes this man
With all the love that his heart can stand
Dream of ways to throw it all away

Oh, gravity is working against me
And gravity wants to bring me down
Oh, twice as much ain't twice as good
And can't sustain like a one half could
It's wanting more that's gonna send me to my knees

Oh, gravity stay the hell away from me
Oh, gravity has taken better men than me
How can that be?

Just keep me where the light is
C'mon keep me where the light is
C'mon keep me where, keep me where the light is


JOHN MAYER - www.johnmayer.com

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Homem NU...




FERNANDO SABINO


Ao acordar, disse para a mulher:

— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.

— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.

— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.

Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:

— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.

Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!

Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:

— Maria, por favor! Sou eu!

Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.

Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.

— Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!

— Isso é que não — repetiu, furioso.

Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.

— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.

Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:

— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...

A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:

— Valha-me Deus! O padeiro está nu!

E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:

— Tem um homem pelado aqui na porta!

Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:

— É um tarado!

— Olha, que horror!

— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!

Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.

— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

Não era: era o cobrador da televisão.



Esta é uma das crônicas mais famosas do grande escritor mineiro Fernando Sabino. Extraída do livro de mesmo nome, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 65.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Eu ficaria de fora...





Por considerar os vestibulares um dos grandes inimigos do ensino e da educação, recebo com alegria a informação de que o governo se prepara para erradicar esta prática nociva.

As notícias indicam que se pretende adotar no Brasil um mecanismo semelhante àquele adotado nos Estados Unidos, onde o ingresso às universidades é regulado pelo histórico escolar dos alunos. Vai-se a minha alegria inicial. Sinto calafrios de terror. Pois é minha convicção que a solução norte-americana seria muito pior que os vestibulares atuais. Seria o caso da cura sendo mais mortífera que a doença.

A adoção de tal solução traria um benefício imediato: o fim dos cursinhos. Mas esse lucro não compensa os efeitos colaterais do remédio.

Em primeiro lugar seria mantido o “efeito guilhotina” dos vestibulares atuais. Chamo de “efeito guilhotina” o clima de terror psicológico que, por efeito dos vestibulares, contagia a vida escolar dos jovens, ficando cada vez mais forte na medida em que os vestibulares se aproximam. Com a solução norte-americana o “efeito guilhotina” seria simplesmente distribuído ao longo de toda a vida escolar. A cada momento o aluno saberia que há uma espada sobre a sua cabeça. As tensões, ligadas às pressões pelo desempenho escolar, no Japão, têm produzido um assustador número de suicídios de adolescentes e até mesmo de crianças. De um ponto de vista psicológico, uma intensa ansiedade, concentrada, como no caso dos vestibulares, é preferível a uma ansiedade constante, como na solução norte-americana. O que penso dos jovens e da educação não me permite aceitar que a escola seja uma experiência de dor.

Em segundo lugar, a aplicação simples desse mecanismo em nada alteraria os padrões de educação que os vestibulares sedimentaram. O ruim continuará a ser ruim. É altamente provável que as escolas, moldadas pelos anos de submissão aos padrões de vestibulares, tendam simplesmente a perpetuar os mesmos padrões, de forma cada vez mais refinada.

Em terceiro lugar, é preciso notar que esse mecanismo, nos Estados Unidos, é altamente elitizante. Formou-se um conjunto de escolas de elite (vejam-se os filmes Sociedade dos poetas mortos e Perfume de mulher), caminho obrigatório para aqueles que pretendem cursar as universidades mais famosas. Evidentemente os colégios de elite custam uma fortuna, e os norte-americanos de classe média começam a poupar dinheiro desde que os filhos nascem para fazer face às despesas impossíveis com a educação universitária.

A mesma coisa aconteceria no Brasil. Um histórico escolar, vindo de um colégio de elite, teria necessariamente maior credibilidade, quando comparado a um histórico igual, emitido por um colégio sem nome, do interior. Não é fácil mas não é impossível que uma família pobre, fazendo um esforço gigantesco por um ano, crie as condições para que um filho seu faça o cursinho e passe no vestibular. Mas a mesma família não poderia fazer o mesmo sacrifício através dos muitos anos que o estudo em colégios de elite exige. O sistema americano é mais elitizante que o atual sistema de vestibulares.

Finalmente, num sistema acostumado à corrupção, como impedir o surgimento da “corrupção dos históricos escolares”? Sei de professores que tiveram de alterar notas de alunos para atender a pressões vindas de cima. Quanto a isso, os atuais vestibulares são melhores. Mesmo com suas deficiências e deformações, eles não se prestam a esse tipo de corrupção.

E há uma razão pessoal: se esse sistema tivesse sido implantado no Brasil eu teria sido uma pessoa com dificuldades para ingressar numa universidade. Meu histórico escolar de ginásio e científico é medíocre. Na minha adolescência os meus interesses caminhavam numa direção oposta à dos currículos escolares. E, para dizer a verdade, com pouquíssimas exceções, meus professores não mereciam que neles se prestasse atenção.

Desejo o fim dessa prática burra e injusta. Mas a solução norte-americana é pior que a doença. Deve haver um remédio que cure sem matar.




Rubem Alves - http://www.rubemalves.com.br/

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009






"PARA ONDE VAI A CANÇÃO DEPOIS DO ACORDE FINAL..."


VANDER LEE

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Clarice Linspector


“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.”

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Contraste


Serlito de Castro

Brasil, 5 de outubro de 1988. Por que tanto contraste na vida de Guiomar, de Lucinha, de Zé eA constituição brasileira, no seu artigo 5º dos direitos sociais diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à IGUALDADE, à segurança e à propriedade nos termos seguintes: Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição. O artigo 6º - capítulo II, dos Direitos Sociais, diz o seguinte: São Direitos Sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social a proteção à MATERNIDADE e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição. Ninguém será submetido à tortura nem a TRATAMENTO DESUMANO ou DEGRADANTE.

Constituição da República Federativa do de Carlinhos... Será que teremos que acreditar no dito popular: "são os desígnios de Deus" para certas pessoas!


Estava bastante movimentado e cercado de cuidados, o momento na residência da Senhora Vera Lúcia de Albuquerque, conhecida entre os parentes e amigos como Dona Lucinha. A euforia era pela chegada do primogênito, que iria preencher os anseios do casal. O pai estava radiante, feliz e vaidoso.

Finalmente teria um filho homem, substituto no futuro para dar continuidade aos seus negócios. Dona Lucinha estava muito feliz e agradecida a Deus em dar um filho homem ao marido, e prometera a si mesma, criá-lo, educá-lo e orientá-lo nos melhores colégios com carinho, cuidados e com muito amor. A criança mesmo antes de nascer já tinha o nome escolhido, se chamaria, Carlos Augusto de Albuquerque Lins. As dores do parto já se iniciavam e Dona Lucinha aguardava com ansiedade a chegada da ambulância para transportá-la ao hospital, onde tudo já havia sido providenciado para recebê-la.

Não muito longe dali, em uma pequena comunidade, passava pela mesma circunstância em um pequeno barraco de madeira, a jovem Guiomar Pereira da Silva, 17 anos, cor parda, analfabeta e órfã de pai e mãe. Não havia pai para se orgulhar do nascimento da criança nem Guiomar sabia o sexo. Quando estava no 6º mês de gravidez, o médico do hospital público onde ela fez só uma vez um pré-natal, marcou um ultra-som para 6 meses, alegando não haver vaga. Conforme declaração da própria Guiomar, não havia diferença ser menino ou menina. Era mãe solteira e iria dar a criança de qualquer jeito. Não teria condições de criá-la, não tinha certeza do verdadeiro pai para pedir pensão e além do mais, aquela criança iria atrapalhar sua vida de pagode.

Como as dores estavam aumentando, Guiomar resolveu enfrentar um ônibus e tentar uma maternidade pública. Acompanhou Guiomar uma vizinha que já tinha uma idéia preconcebida, se não der tempo de chegar a um hospital, chamaria o Corpo de Bombeiros que nessas horas resolve o problema, sendo o único meio que funciona com segurança para ricos e pobres.

Ao chegar ao hospital já estavam a espera de Dona Lucinha, uma equipe formada por médico, enfermeira e um maqueiro com uma cadeira de rodas a fim de não proporcionar desgaste físico à paciente. Imediatamente a chegada ao hospital, a gestante foi introduzida para exames gerais e ficou repousando em apartamento de luxo, a espera da feliz hora do parto. Estava o médico estudando as possibilidades de ser parto normal ou cesariana, enquanto uma psicóloga trabalhava junto a futura mamãe.

Pobre Guiomar! Depois de perambular por vários hospitais, conseguiu uma vaga na maternidade de Afogados, na periferia da cidade. Como não havia médico na hora, ficou aguardando para ser atendida em uma enfermaria, que foi criada para 4 pacientes e no momento estava com 12 gestantes esperando um médico e a hora para parir.

Que alegria! Nasceu Carlinhos, garoto sadio, robusto, corado e chorão. Quanta felicidade! Cercado pelos pais, avós e alguns amigos que davam as boas vindas a um garoto que trazia tanta alegria e felicidade. Era um dia especial e merecia uma comemoração.

O parto de Guiomar foi complicado, por ser uma paciente sem condições físicas, mal alimentada e mal assistida, estava com dificuldades para facilitar o parto. Graças a Deus e a competência do médico, nasceu um rebento anêmico e desnutrido. Com a competência, responsabilidade e compaixão do médico, Guiomar e a criança ficaram em observação, ela na enfermaria coletiva e ele na incubadora a fim de se recuperarem e poderem receber alta.

Ah! Quanta alegria! Na chegada de Lucinha em casa. Faixas, bebidas e muita comida para os convidados. Os avós, como todo avô coruja, já tinham preparado o quarto do neto todo em cor azul e já estavam fazendo planos para o primeiro aniversário do Carlinhos. Como o quarto da criança era no 1º andar da casa e não perturbaria o sono do bebê, a festa continuou até a noite com Champanhe e tudo que Dona Lucinha tinha direito, afinal, naquele lar, uma mulher acabava de ter o direito sublime e sagrado de ser mãe.

Após três dias em observação, Guiomar e a criança receberam alta. Como boa companheira de infortúnio, a vizinha que levou Guiomar a procura de maternidade, acompanhou a amiga de volta à sua casa, se podemos chamar de casa aquele miserável barraco de um só cômodo. Após chegar em seu barraco, é que Guiomar se deu conta que, criança come, veste e dorme. Aí, entra a crendice popular: "Deus dá a roupa conforme o frio". Rasgou um lençol velho, com uma metade enrolou o rebento e com a outra improvisou umas fraldas. Mesmo com toda essa miséria, Guiomar tinha muito leite, que solucionou o problema de alimentação do recém-nascido.

Com um pouco de cuidado, José Pereira da Silva, que agora ganhou o apelido de Zé, ficou acomodado na cama de sua própria mãe, que para falar a verdade era o segundo móvel do barraco o outro era uma velha cômoda que servia de mesa e armário para roupas e alimentos.

Com o passar do tempo, vamos encontrar o Carlinhos passeando com sua babá, no calçadão de Boa Viagem, já com 2 anos de idade, bem cuidado, com todas as vacinas necessárias e sendo o centro das atenções por onde passa, é uma criança bonita, que herdou a beleza da Dona Lucinha e os bons cuidados que o dinheiro proporciona. Não muito longe do calçadão da Av Boa Viagem, na comunidade onde Guiomar mora, uma criança também de 2 anos, brinca com uma garrafa plástica de guaraná no terreiro de sua casa, o Zé está brincando por estar de folga, como já está andando, ajuda sua mãe na coleta de latinhas de refrigerantes e a pedir esmolas pelas ruas.E justamente desses trabalhos que Guiomar está vivendo. O Zé tem algumas roupas e sandália, que o líder da comunidade conseguiu com algumas senhoras bondosas que com receio de irem para o inferno, fazem doações de coisas usadas nestas comunidades. É bem verdade que ajuda embora não resolva o problema.

Quando Carlinhos completou 12 anos e terminou o curso do ensino fundamental os pais, como presente, programaram uma viagem à Disneylândia com duração de 30 dias. A intenção dos pais de Carlinhos era proporcionar divertimento ao filho e ganhar tempo para uma reforma em seu quarto, que agora iria entrar na fase da adolescência. Estava tudo programado, computador, som, televisão e vídeo para o garoto assistir seus filmes preferidos e já estava na hora do Carlinhos ter privacidade e receber seus amigos.

Como a escola da vida ensina muito rápido, o pequeno Zé, esquecido por sua mãe que nada oferecia e nem sabia como criar um filho, já sabia algumas coisas da vida e como sobreviver nas ruas e na comunidade onde morava.

O pequeno Zé continuava sem freqüentar a escola, vivia pelas ruas e já conhecia a cola de sapateiro, já praticava pequenos furtos e já dividia seu pequeno canto no barraco com um irmãozinho, fruto do namoro de sua mãe com um estranho numa noite de pagode. A mãe do Zé evoluiu também na vida, deixou de catar latinhas para se prostituir e virou alcoólatra com várias passagens na polícia, por agressão e ofensa ao pudor.

Tudo era festa, tudo era alegria, cercado dos pais, parentes e amigos, estava Carlinhos alegre, jubiloso e feliz. No momento, comemorava seus 16 anos e festejava também sua classificação no vestibular de Direito. A alegria era contagiante. Todos comiam, bebiam e comemoravam a vitória do rapaz. Seus pais sentiam-se orgulhosos pela dedicação do rapaz. Seu pai como recompensa pela dedicação do filho pelos estudos, aproveitou a oportunidade e presenteou-o com um carro zero quilômetro, na condição de só sair às ruas quando estivesse com a carteira de habilitação. Esse carro era para Carlinhos não depender de ônibus e não perder o horário da faculdade e é claro, dar suas voltinhas com a namorada.

Certa noite quando vinha de uma festa com a namorada e parou no sinal de trânsito em uma rua pouco movimentada, foi abordado por dois rapazes armados que lhe levaram a carteira, o relógio e o celular. Esses dois rapazes eram Zé de Guiomar e seu parceiro de crime. Zé sem ter o que fazer, sem conseguir e sem gostar de trabalhos achou o caminho mais fácil para poder sobreviver, já era conhecido da polícia, como era menor e não tinha assassinado ninguém, a polícia fazia vista grossa, não queria se envolver com pessoa menor de idade e não ter problema com o Código do Adolescente, que não resolve os problemas que os levam às ruas e aos crimes.

No presídio feminino uma mulher reclama para suas colegas de infortúnio, não ter sorte na vida, quando conseguiu um homem para morar junto, o sujeito era traficante de drogas. Numa batida da polícia Guiomar foi flagrada guardando em sua companhia, 1 quilograma de maconha pronta para o consumo. Como era primária no crime, pegou 6 anos de cadeia deixando nas ruas seus filhos, que agora somam três crianças menores.

Hoje é um dia especial para Carlinhos. Dr. Carlos Augusto Albuquerque Lins, fará parte do júri popular como promotor. É o seu primeiro caso deste novo advogado. O crime a ser julgado, homicídio, um jovem aparentando 24 anos, assassinou um homem em assalto. O criminoso alega que foi obrigado a atirar, porque o homem assaltado demorou muito a entregar seus pertences e conversava demais fazendo o criminoso perder tempo no seu trabalho. Na confissão o criminoso assinou com a impressão digital, confirmando ser José Pereira da Silva, que na roda do crime e na sua comunidade, é conhecido por Zé de Guiomar.