terça-feira, 7 de julho de 2009

Eu ficaria de fora...





Por considerar os vestibulares um dos grandes inimigos do ensino e da educação, recebo com alegria a informação de que o governo se prepara para erradicar esta prática nociva.

As notícias indicam que se pretende adotar no Brasil um mecanismo semelhante àquele adotado nos Estados Unidos, onde o ingresso às universidades é regulado pelo histórico escolar dos alunos. Vai-se a minha alegria inicial. Sinto calafrios de terror. Pois é minha convicção que a solução norte-americana seria muito pior que os vestibulares atuais. Seria o caso da cura sendo mais mortífera que a doença.

A adoção de tal solução traria um benefício imediato: o fim dos cursinhos. Mas esse lucro não compensa os efeitos colaterais do remédio.

Em primeiro lugar seria mantido o “efeito guilhotina” dos vestibulares atuais. Chamo de “efeito guilhotina” o clima de terror psicológico que, por efeito dos vestibulares, contagia a vida escolar dos jovens, ficando cada vez mais forte na medida em que os vestibulares se aproximam. Com a solução norte-americana o “efeito guilhotina” seria simplesmente distribuído ao longo de toda a vida escolar. A cada momento o aluno saberia que há uma espada sobre a sua cabeça. As tensões, ligadas às pressões pelo desempenho escolar, no Japão, têm produzido um assustador número de suicídios de adolescentes e até mesmo de crianças. De um ponto de vista psicológico, uma intensa ansiedade, concentrada, como no caso dos vestibulares, é preferível a uma ansiedade constante, como na solução norte-americana. O que penso dos jovens e da educação não me permite aceitar que a escola seja uma experiência de dor.

Em segundo lugar, a aplicação simples desse mecanismo em nada alteraria os padrões de educação que os vestibulares sedimentaram. O ruim continuará a ser ruim. É altamente provável que as escolas, moldadas pelos anos de submissão aos padrões de vestibulares, tendam simplesmente a perpetuar os mesmos padrões, de forma cada vez mais refinada.

Em terceiro lugar, é preciso notar que esse mecanismo, nos Estados Unidos, é altamente elitizante. Formou-se um conjunto de escolas de elite (vejam-se os filmes Sociedade dos poetas mortos e Perfume de mulher), caminho obrigatório para aqueles que pretendem cursar as universidades mais famosas. Evidentemente os colégios de elite custam uma fortuna, e os norte-americanos de classe média começam a poupar dinheiro desde que os filhos nascem para fazer face às despesas impossíveis com a educação universitária.

A mesma coisa aconteceria no Brasil. Um histórico escolar, vindo de um colégio de elite, teria necessariamente maior credibilidade, quando comparado a um histórico igual, emitido por um colégio sem nome, do interior. Não é fácil mas não é impossível que uma família pobre, fazendo um esforço gigantesco por um ano, crie as condições para que um filho seu faça o cursinho e passe no vestibular. Mas a mesma família não poderia fazer o mesmo sacrifício através dos muitos anos que o estudo em colégios de elite exige. O sistema americano é mais elitizante que o atual sistema de vestibulares.

Finalmente, num sistema acostumado à corrupção, como impedir o surgimento da “corrupção dos históricos escolares”? Sei de professores que tiveram de alterar notas de alunos para atender a pressões vindas de cima. Quanto a isso, os atuais vestibulares são melhores. Mesmo com suas deficiências e deformações, eles não se prestam a esse tipo de corrupção.

E há uma razão pessoal: se esse sistema tivesse sido implantado no Brasil eu teria sido uma pessoa com dificuldades para ingressar numa universidade. Meu histórico escolar de ginásio e científico é medíocre. Na minha adolescência os meus interesses caminhavam numa direção oposta à dos currículos escolares. E, para dizer a verdade, com pouquíssimas exceções, meus professores não mereciam que neles se prestasse atenção.

Desejo o fim dessa prática burra e injusta. Mas a solução norte-americana é pior que a doença. Deve haver um remédio que cure sem matar.




Rubem Alves - http://www.rubemalves.com.br/

Um comentário:

. disse...

Eu lembro quando vc leu isso sim seu chato. ¬¬"
Sabe que o gosto da opnião dele que é mt parecida com a sua.
Deixe de ser chato.
Ele é fera assim como você.
Te amo.
beijos