Sartre, eu suspeito, viveu em colocação. Como pensador nenhum é capaz de elaborar uma filosofia, pensamento ou frase que seja sem ser em parte afetado pelo ambiente que o cerca, é bem provável que o célebre filósofo francês tenha amargado uma colocação no seu apartamento parisiense.
É de se pensar que duas ou três pessoas, afortunadas de viver em Paris, gozando de sua recém-adquirida independência, e ansiosas por começar com o pé direito essa fase novinha em folha da vida quase adulta, se tornem gente fina quando vão viver juntas. Diplomacia, consideração, cordialidade, empatia… essas são habilidades que o sujeito moral desenvolve na vida com os outros, certo?
Errado.
Compartilhar 27 m² com mais duas meninas te ensina, ao invés de polidez, gentileza e doçura; faniquitos, caos e chorôrô. Em um ambiente em que as mulheres são numericamente superiores, a racionalidade cartesiana pára na porta e você está sozinho para descobrir o que cargas d’água está acontecendo ao redor. O processo racional, a lógica e a prudência podem valer muito, muito pouco diante de uma menina fula da vida com sabe-Deus-o-quê. A única coisa que vale a pena fazer com o lado esquerdo do cérebro é calcular o período do mês em que estamos, pois dependo do dia, o mais leve comentário pode virar uma Hiroshima hormonal.
Outra coisa que colocação ensina são os limites da pequeneza humana. Ah, queria ter gravado os grandes discursos, em que termos áusteros como “justiça”, “direito” e “responsabilidade” foram usados para falar de um livro em cima da mesa, uma cama desarrumada ou um prato sujo na pia… É o que acontece quando aquele pessoal que faz questão de saber quem foi “o engraçadinho que comeu a última bolacha do pacote” se vê proprietário de coisas como: uma cadeira, uma estante na geladeira, uma almofada… e outras grandes e valiosas posses. Ah, como são altivas as preocupações e razões das pessoas… aposto que Thomas Jefferson, antes de escrever a Declaração de Independência dos Estados Unidos, também preocupava-se seriamente com a justa distribuição do espaço do congelador. e outras questões morais de semelhante valor e importância.
NOTA: Tai, um texto do meu amigo Raphael Mesquita, que atualmente mora em Paris e vem contando histórias interessantíssimas desde que chegou lá através do seu blog:
--- http://borarafa.wordpress.com/ ---. Valeu a pena conferir.
O Clipe do Dia
Há 10 anos
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