domingo, 5 de dezembro de 2010

sábado, 4 de dezembro de 2010

“... saudade é tristeza pelas coisas que amamos e perdemos. Não é o desejo de voltar ao passado, pois isto não é possível. Saudade é sentir que algo nos foi arrancado.
Na saudade é como se fôssemos náufragos numa praia ajuntando os pedaços de nosso naufrágio. Na saudade saímos dos muitos pequenos desejos que moram nos caminhos do vale, e nos descobrimos frente a um grande desejo, que é a nossa verdade. Saudade é o lugar da busca do Grande Desejo, esquecido, perdido. Percebemos que estamos ficando velhos, afinal crianças não têm saudades. Elas vivem a inocência e o paraíso do presente permanente. Na saudade descobrimos que pedaços de nós já ficaram para trás.
E descobrimos, na saudade, uma coisa estranha; aquilo que já experimentamos como alegria no passado. Só podemos amar o que já tivemos. Não é possível desejar o desconhecido por mais fantástico que ele possa ser. Pois, como desejá-lo, se nunca o experimentamos? Só podemos desejar aquilo de que temos saudade... Somos seres de saudade. “




Rubem Alves

sábado, 27 de novembro de 2010

Frase do dia


"Botas...as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar."



MACHADO DE ASSIS

terça-feira, 23 de novembro de 2010



"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."

"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."



CLARICE LISPECTOR

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PENSAMENTO DO DIA

"Aquilo que a memória amou fica eterno."


ADÉLIA PRADO

domingo, 27 de junho de 2010

MÚSICA DO DIA




WAITING ON THE WORLD TO CHANGE - JOHN MAYER


Eu e todos os meus amigos
Estamos sendo mal compreendidos
Eles dizem que nós resistimos por nada, e
Não há nenhum caminho possível
Agora nós vemos tudo que está indo errado
Com o mundo e seus líderes
Nós apenas sentimos que não temos um caminho...
Para passar por cima e acabar com tudo isso

Então continuamos esperando
Esperando o mundo mudar
Continuamos na espera
Esperando o mundo mudar

É difícil vencer o sistema
Quando estamos tão distantes
Então continuamos esperando
Esperando o mundo mudar

Agora se tivéssemos o poder
De trazer para casa nossos vizinhos da guerra
Eles poderiam nunca ter perdido um Natal
Sem mais fitas em suas portas
E quando você acredita na sua TeleVisão
O que você vê é o que você tem
Porque quando eles compram a informação, oh
Eles podem distorce-la do jeito que quiserem

Por isso nós estamos esperando
Esperando o mundo mudar
Nós continuamos na espera
Esperando o mundo mudar

Não é que nós não nos importamos
Nós apenas sabemos que a luta é injusta
Então continuamos esperando
Esperando o mundo mudar

Nós ainda estamos esperando
Eperando o mundo mudar
Nós continuamos na espera
Esperando o mundo mudar
Um dia nossa geração...
Irá comandar a população

Então continuamos esperando
Esperando o mundo mudar
Então continuamos esperando
Esperando o mundo mudar
Esperando o mundo mudar

Esperando o mundo mudar
Esperando o mundo mudar
Esperando o mundo mudar
Esperando o mundo mudar

quinta-feira, 24 de junho de 2010

TEMPO
















A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.




ADÉLIA PRADO escreve no ano em que completa 40 anos este belíssimo e delicioso poema intrigante e desafiador. "Quero a fome."!!

INTERROGAÇÃO














Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma da charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize para onde eu vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!



FLORBELA ESPANCA

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Mensagem do dia

" Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!"



MÁRIO QUITANA

domingo, 13 de junho de 2010

sexta-feira, 4 de junho de 2010

UMA MENSAGEM DO QUITANA


















A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo:

Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo,

pois a única falta que terá,

será desse tempo que infelizmente não voltará mais.




MÁRIO QUITANA






NOTA DO EDITOR: Uma amiga me mandou um e-mail com este pequeno, tão fantástico e verdadeiro texto. Porém ele ainda ficou um tempão em minha caixa de entrada esperando pra ser lido com a desculpa de que eu não tinha tempo pra ler. Irônico, e fantástico afirmo mais uma vez. A gente acaba fazendo sem pensar nossas tarefas do dia-a-dia como se estivéssimos no automático e às vezes nem um bom dia, nem uma conversa descontraída que o outro tanto precisa. Às vezes até nós mesmos precisamos. Aqui tá um convite. Um convite para termos tempo pros nossos entes queridos, pros nossos amigos, pra nós, pra quem amamos, enfim. Finalizando a la Gonzaguinha: "Viver e não ter a vegonha de ser feliz"!!! Nem deixar que a pressa não nos deixe viver.

Cláudio Mattos

terça-feira, 1 de junho de 2010


FERNANDO SABINO



_ Como vai indo seu marido, que há tanto tempo não vejo?

_ Meu marido morreu há dois anos, o senhor não sabia?

Cumprida a primeira parte da gafe, saio impávido para a segunda:

_ Que coisa terrível, eu não sabia! Me desculpe, mas andei viajando...

E não tendo mais o que dizer, repito para o cavalheiro que a acompanha:

_ Terrível, não acha?

Mas ele não pensa assim:

_ Não acho não: sou o atual marido dela.

A consciência de que a gafe em geral se compõe de duas partes distintas. Ficar sempre na primeira, jamais tentar consertar. Ao contrário da Loteria Federal, não insista, desista! Eis o que eu, empedernido praticante, tenho a aconselhar aos meus companheiros de infortúnio. A gafe é vertiginosa e se faz anteceder de uma espécie de aviso, antecipa-se na sensação de que caminhamos no ar, como num desenho animado:

_ Como foi bom encontrar você! Eu já estava achando esta festa chatíssima. Vamos embora daqui?

_ Não posso, sou a dona da casa.

Ou esta outra, mais comum ainda:

_ Com aquela mulher ali eu não dormia nem de graça.

_ Aquela mulher ali é a minha esposa.

Se o infeliz acrescentar que neste caso dormia sim, não estará apenas caindo de quatro: estará se precipitando no abismo da mais imperdoável inconveniência, que vem a ser a repetição literal de uma velha anedota.
São gafes tradicionais, decorrentes em geral das relações de parentesco ou dos encontros de circunstância, a que os mais insensatos como eu raramente escapam. Não há como resistir ao poder magnético dos assuntos traiçoeiros, que vão espalhando armadilhas a cada passo, e nos levam sempre a falar em corda justamente na casa do enforcado.
Se sabemos que a gafe é irreversível, por que tentamos teimosamente remendá-la, afundando-nos cada vez mais?
É que ela nem ao menos é sincera. Fôssemos autênticos e verazes na convivência, a gafe se desarmaria ao peso de sua própria legitimidade. E deixaria de ser gafe.
Fois essa, pelo menos, a solução encontrada por um amigo meu, vítima também dessa maldita sina, e que ontem me dizia ter-se conformado, passando a praticá-la deliberadamente.

_ Você é parente dele? Que horror!

_ Morreu? Meus parabéns.

_ Não sei como você, tão simpática, pode ter um marido tão chato.

_ Fui cair logo ao seu lado neste banquete, mas veja só que azar o meu.

_ Aliás, pelo que eu soube, a senhora não é tão velha quanto parece.

_ Não aguentei ler até o fim. Ah, foi o senhor que escreveu? E ainda tem coragem de confessar?

Com isso ele passou a ser considerado homem do mais fino espírito – excêntrico, desconcertante, é verdade – mas de esmerada educação. Apesar de tudo, outro dia recebeu o troco que lhe era devido, funcionando desta vez como receptor de uma gafe, ao dizer a uma jovem que está escrevendo um romance: a história de um mau-caráter. E ela, inocentemente:

_ Autobiográfico?




SABINO, Fernando. Ocasiões de ficar calado. In: Contos e Crônicas. no 3. 1998. Coleção O Dia Livros.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"O inferno são os outros"

Sartre, eu suspeito, viveu em colocação. Como pensador nenhum é capaz de elaborar uma filosofia, pensamento ou frase que seja sem ser em parte afetado pelo ambiente que o cerca, é bem provável que o célebre filósofo francês tenha amargado uma colocação no seu apartamento parisiense.

É de se pensar que duas ou três pessoas, afortunadas de viver em Paris, gozando de sua recém-adquirida independência, e ansiosas por começar com o pé direito essa fase novinha em folha da vida quase adulta, se tornem gente fina quando vão viver juntas. Diplomacia, consideração, cordialidade, empatia… essas são habilidades que o sujeito moral desenvolve na vida com os outros, certo?

Errado.

Compartilhar 27 m² com mais duas meninas te ensina, ao invés de polidez, gentileza e doçura; faniquitos, caos e chorôrô. Em um ambiente em que as mulheres são numericamente superiores, a racionalidade cartesiana pára na porta e você está sozinho para descobrir o que cargas d’água está acontecendo ao redor. O processo racional, a lógica e a prudência podem valer muito, muito pouco diante de uma menina fula da vida com sabe-Deus-o-quê. A única coisa que vale a pena fazer com o lado esquerdo do cérebro é calcular o período do mês em que estamos, pois dependo do dia, o mais leve comentário pode virar uma Hiroshima hormonal.

Outra coisa que colocação ensina são os limites da pequeneza humana. Ah, queria ter gravado os grandes discursos, em que termos áusteros como “justiça”, “direito” e “responsabilidade” foram usados para falar de um livro em cima da mesa, uma cama desarrumada ou um prato sujo na pia… É o que acontece quando aquele pessoal que faz questão de saber quem foi “o engraçadinho que comeu a última bolacha do pacote” se vê proprietário de coisas como: uma cadeira, uma estante na geladeira, uma almofada… e outras grandes e valiosas posses. Ah, como são altivas as preocupações e razões das pessoas… aposto que Thomas Jefferson, antes de escrever a Declaração de Independência dos Estados Unidos, também preocupava-se seriamente com a justa distribuição do espaço do congelador. e outras questões morais de semelhante valor e importância.




NOTA: Tai, um texto do meu amigo Raphael Mesquita, que atualmente mora em Paris e vem contando histórias interessantíssimas desde que chegou lá através do seu blog:

--- http://borarafa.wordpress.com/ ---. Valeu a pena conferir.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

COZINHA

Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. Nas Minas Gerais onde nasci o lugar mais importante era a cozinha. Não era o mais chique e nem o mais arrumado. Lugar chique e arrumado era a sala de visitas, com bibelôs, retratos ovais nas paredes, espelhos e tapetes no chão. Na sala de visitas as crianças se comportavam bem, era só sorrisos e todos usavam máscaras. Na cozinha era diferente: a gente era a gente mesmo, fogo, fome e alegria.

"Seria tão bom, como já foi...", diz a Adélia. A alma mineira vive de saudade. Tenho saudade do que já foi, as velhas cozinhas de Minas, com seus fogões de lenha, cascas de laranja secas, penduradas, para acender o fogo, bule de café sobre a chapa, lenha crepitando no fogo, o cheiro bom da fumaça, rostos vermelhos. Minha alma tem saudades dessas cozinhas antigas...

Fogo de fogão de lenha é diferente de todos os demais fogos. Veja o fogo de uma vela acesa sobre uma mesa. É fogo fácil. Basta encostar um fósforo aceso no pavio da vela para que ela se acenda. Não é preciso nem arte nem ciência. Até uma criança sabe. Só precisa um cuidado: deixar fechadas as janelas para que um vento súbito não apague a chama. O fogo do fogão é outra coisa. Bachelard notou a diferença: "A vela queima só. Não precisa de auxílio.

A chama solitária tem uma personalidade onírica diferente da do fogo na lareira. O homem, diante de um fogo prolixo pode ajudar a lenha a queimar, coloca uma acha suplementar no tempo devido. O homem que sabe se aquecer mantém uma atitude de Prometeu. Daí seu orgulho de atiçador perfeito..." Fogo de lareira é igual ao fogo do fogão de lenha. Antigamente não havia lareiras em nossas casas. O que havia era o fogo do fogão de lenha que era, a um tempo, fogo de lareira e fogo de cozinhar.

As pessoas da cidade, que só conhecem a chama dos fogões a gás, ignoram a arte que está por detrás de um fogão de lenha aceso. Se os paus grossos, os paus finos e os gravetos não forem colocados de forma certa, o fogo não pega. Isso exige ciência. E depois de aceso o fogo é preciso estar atento. É preciso colocar a acha suplementar, do tamanho certo, no lugar certo. Quem acende o fogo do fogão de lenha tem de ser também um atiçador.

O fogão de lenha nos faz voltar "às residências de outrora, as residências abandonadas mas que são, em nossos devaneios, fielmente habitadas" (Bachelard). Exupèry, no tempo em que os pilotos só podiam se orientar pelos fogos dos céus e os fogos da terra, conta de sua emoção solitária no céu escuro, ao vislumbrar, no meio da escuridão da terra, pequenas luzes: em algum lugar o fogo estava aceso e pessoas se aqueciam ao seu redor.

Já se disse que o homem surgiu quando a primeira canção foi cantada. Mas eu imagino que a primeira canção foi cantada ao redor do fogo, todos juntos se aquecendo do frio e se protegendo contra as feras. Antes da canção, o fogo. Um fogo aceso é um sacramento de comunhão solitária. Solitária porque a chama que crepita no fogão desperta sonhos que são só nossos. Mas os sonhos solitários se tornam comunhão quando se aquece e come.

Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. Pois os jardins ficavam atrás. Lá estavam os manacás, o jasmim do imperador, as jabuticabeiras, laranjeiras e hortaliças. Era fácil sair da cozinha para colher xuxús, quiabo, abobrinhas, salsa, cebolinha, tomatinhos vermelhos, hortelã e, nas noites frias, folhas de laranjeira para fazer chá.

Ah! Como a arquitetura seria diferente se os arquitetos conhecessem também os mistérios da alma! Se Niemeyer tivesse feito terapia, Brasília seria outra. Brasília é arquitetura de arquitetos sem alma. Se eu fosse arquiteto minhas casas seriam planejadas em torno da cozinha. Das coisas boas que encontrei nos Estados Unidos nos tempos em que lá vivi estava o jeito de fazer as casas: a sala de estar, a sala de jantar, os livros, a escrivaninha, o aparelho de som, o jardim, todos integrados num enorme espaço integrado na cozinha. Todos podiam participar do ritual de cozinhar, enquanto ouviam música e conversavam. O ato de cozinhar, assim, era parte da convivência de família e amigos, e não apenas o ato de comer. Eu acho que nosso costume de fazer cozinhas isoladas do resto da casa é uma reminiscência dos tempos em que elas eram lugar de cozinheiras negras escravas, enquanto as sinhás e sinhazinhas se dedicavam, em lugares mais limpos, a atividades próprias de dondocas como o ponto de cruz, o frivolité, o crivo, a pintura e a música. Se alguém me dissesse, arquiteto, que o seu desejo era uma cozinha funcional e prática, eu imediatamente compreenderia que nossos sonhos não combinavam, delicadamente me despediria e lhes passaria o cartão de visitas de um arquiteto sem memórias de cozinhas de Minas.

As cozinhas de fogão de lenha não resistiram ao fascínio do progresso. As donas de casa, em Minas, por medo de serem consideradas pobres, dotaram suas casas de modernas cozinhas funcionais, onde o limpíssimo e apagado fogão à gás tomou o lugar do velho fogão de lenha. As cozinhas, agora, são extensões da sala de visitas. Mas isto é só para enganar. A alma delas continua a morar nas cozinhas velhas, agora transferidas para o quintal, onde a vida é como sempre foi. Lá é tão bom, porque é como já foi.

Eu gostaria de ser muitas coisas que não tive tempo e competência para ser. A vida é curta e as artes são muitas. Gostaria de ser pianista, jardineiro, artista de ferro e vidro - talvez monge. E gostaria de ter sido um cozinheiro. Babette. Tita. Meu pai adorava cozinhar. Eu me lembro dele preparando os peixes, cuidadosamente puxando a linha que percorre o corpo dos papa-terras, curimbas, para que não ficassem com gosto de terra. E me lembro do seu rosto iluminado ao trazer para a mesa o peixe assado no forno.

Faz tempo, num espaço meu, eu gostava de reunir casais amigos uma vez por mês para cozinhar. Não os convidava para jantar. Convidava para cozinhar. A festa começava cedo, lá pelas seis da tarde. E todos se punham a trabalhar, descascando cebola, cortando tomates, preparando as carnes. Dizia Guimarães Rosa: "a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia." Comer é a chegada. Passa rápido. Mas a travessia é longa. Era na travessia que estava o nosso maior prazer. A gente ia cozinhando, bebericando, beliscando petiscos, rindo, conversando. Ao final, lá pelas onze, a gente comia. Naqueles tempos o que já tinha sido voltava a ser. A gente era feliz.

Sinto-me feliz cozinhando. Não sou cozinheiro. Preparo pratos simples. Gosto de inventar. O que mais gosto de fazer são as sopas. Vaca atolada, sopa de fubá, sopa de abóbora com maracujá, sopa de beringela, sopa da mandioquinha com manga, sopa de coentro... Você já ouviu falar em sopa de coentro? É sopa de portugueses pobres, deliciosa, com muito azeite e pão torrado. A sopa desce quente e, chegando no estômago, confirma...A culinária leva a gente bem próximo das feiticeiras. Como a Babette (A festa de Babette) e a Tita (Como água para chocolate)... (Correio Popular, Caderno C, 19/03/2000.)



RUBEM ALVES

domingo, 3 de janeiro de 2010

O Pequeno Principe - trecho

E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho.
Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o princípe, estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa.
Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- O que quer dizer cativar ?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.
Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"